João Maurício Criticado

Toda pessoa está sujeita a críticas, sejam elas positivas ou negativas. Apesar de os pequenos guias turísticos no Recife somente se expressarem em termos elogiosos sobre João Maurício de Nassau-Siegen, isto não significa que ele não recebeu críticas negativas.

Visitando um sebo (ponto de venda de livros usados), encontrei um livro curioso. Chamou a minha atenção o retrato de um João Maurício carrancudo na capa do livro ‘Maurício de Nassau Contra a Integridade do Brasil’. O livro, editado em julho de 1943, escrito por Américo Mendes de Oliveira Castro, recebeu um prefácio do historiador Pedro Calmon.

A dedicatória do livro já antecipa o tom do seu conteúdo: ”Aos pernambucanos, desconhecidos e humildes, que com sangue, lágrimas e trabalhos, impediram que o Brasil fosse mutilado definitivamente por João Maurício de Nassau.”

Não considero o ano de publicação do livro – 1943 – uma mera coincidência. Estávamos em plena Segunda Guerra Mundial e João Maurício era alemão de nascimento. Aos olhos do autor, os portugueses são os únicos que merecem respeito na ocupação do Brasil.

Mas vamos deixar o autor explicar suas mágoas contra a invasão holandesa e ao leitor caberá julgar e opinar se as críticas têm sua razão.

— Antes da invasão holandesa, a introdução da cana de açúcar, do arroz, de grandes variedades de árvores frutíferas e de toda espécie de gado, levou Nassau a encher-se de admiração ao encontrar pastando nas margens de São Francisco, rebanhos de milhares de cabeças. Entretanto, manteiga e queijos, artigos esses de que são grandes comedores os holandeses, vinham da Holanda. A vaca holandesa goza de merecida reputação mundial como produtora de excelente e abundante leite, muito superior ao que existia aqui. Mas os holandeses nunca tiveram a ideia de mandar vir reprodutores da Holanda para melhorar os rebanhos crioulos!

— A instalação de toda a máquina administrativa holandesa na ridícula ilhota de Antônio Vaz foi um erro, pois obrigou Maurício à construção de pontes. Onerou assim os cofres da Companhia das Índias Ocidentais e a população, que, para qualquer assunto administrativo, era obrigada a pagar pedágio da passagem pela ponte. Caso típico de megalomania principesca e de verdadeiro delírio de grandezas, mas quando os príncipes deliram, os povos choram. Não se nasce em vão num luxuoso solar, nem se vive, desde criança, no meio de arte requintada e longe da pobreza nauseabunda da plebe! Foi talvez tudo isso que levou Maurício de Nassau a fugir de Recife, de vielas mal cheirosas e habitada por gente pouco propensa ao asseio corporal. Nassau nunca esquecia de sua ascendência e ficou encantado com o rápido crescimento das árvores que fizera plantar na ilha, porque aquele arvoredo lhe ocultava o Recife.

— Por onde as tropas de Maurício passavam deixavam um rastro de estupro, de roubo, de pilhagem, de incêndio, espalhando com mãos pródigas as sete pragas do Apocalipse. Os aventureiros e mercenários tinham o único propósito de enriquecer depressa. Não melhoraram os métodos agrícolas, não melhoraram as artes caseiras, nada fizeram para empregar o algodão indígena em artigos tecidos. Tudo, absolutamente tudo, vinha dos Países Baixos, por exemplo, tijolos quando Pernambuco já possuía olarias. Até a própria diretoria da Companhia alertava Maurício para “que puxasse um pouco mais pela faculdade inventiva e tratasse de ajudar a si mesmo, empregando serrarias movidas pela força hidráulica quando havia superabundância de madeiras”. Naquela época já se exportava 60 mil caixas de açúcar, dando um lucro equivalente a 53 toneladas de ouro! Os holandeses vieram encontrar o campo desbravado, a sementeira feita e só lhes restou o trabalho da colheita. Compreende-se que eles tinham um objetivo e um desejo: colher o que os outros haviam plantado! Em suma, quando os holandeses aqui aportaram com armas na mão, eram movidos por intuitos de pirataria: saquear, despojar, enriquecer, passaram e não deixaram o quer que fosse que pudesse compensar o dano causado por sua passagem apocalíptica.

¬ Os militares holandeses não passaram de uma imensa nuvem de voracíssimos gafanhotos; quando foram obrigados a levantar voo, deixaram atrás de si só ruínas, sofrimento, lágrimas, sangue, estupro e morte!

¬ João Maurício protegia as artes por tradição e ostentação, não consagrando pessoalmente amor algum aos trabalhos artísticos dos quais se desfazia sem dificuldade, o que é a negação do verdadeiro amor pelas coisas da Arte. O vento de lucro que soprava em todos os recantos da Companhia das Índias Ocidentais pôs em alvoroço o coração de João Maurício que resolveu transformar em brilhantes moedas de ouro os quadros que Frans Post trouxe do Brasil.

¬ João Maurício, historicamente considerada a sua missão, não passou de um grande mercenário, servindo exclusivamente por paga: 18.000 de florins por ano e, como estimulante, 2% sobre o montante das presas feitas durante o seu governo.

¬ João Maurício de Nassau nada trouxe de novo em matéria de colonização agrícola; nem sequer teve a ideia de tentar aproveitar-se de moinhos de vento, como força motora para acionar as moendas da cana. Positivamente, não há nenhuma patente de invenção registrada em nome de João Maurício: mais uma fantasia desfeita!

— Citando o historiador Watjens: “Estadista eminente, diplomata e general em chefe, João Maurício nada queria saber de poupança nos gastos. Em matéria de dinheiro, tinha as mãos muito abertas, gastava mais do que podia. Os cofres da Companhia eram em extremo arruinados pela construção dos palácios do Príncipe e pela fundação da cidade Mauritiópolis. Os diretores e acionistas desejavam ver o seu capital investido no Brasil render juros e que era mais importante duplicar as remessas de açúcar que construir pontes dispendiosas.”

— Se João Maurício tivesse o estofo do verdadeiro administrador, teria tido aquele bom senso de um bom pai de família: equilibrar a despesa e a receita. Estradas nunca as fez; aparelhagem técnica do porto, facilitando o embarque da sensível mercadoria do açúcar, também não a melhorou.

— Se os arquitetos flamengos contemplassem o palácio Bela Vista que Maurício fez construir, certamente eles diriam “Que Monstrengo”! Da mesma forma, a ponte entre Recife e Mauritiópolis, aparecendo num dos quadros de famoso pintor (!) Frans Post, não passa de tosquíssima ponte, feita de paus fincados em forma de grandes X; por pouco não passavam de simples pinguelas. Aliás, antes de os holandeses chegarem já tinha sido ventilada a utilidade de ligar Recife à ilhota, mas verificada a inutilidade da ligação, a ideia ficou naturalmente adormecida. Os nassovistas (admiradores de João Maurício, JS), em desespero da causa, observarão, talvez, que análises ou zombarias não arrebatam a Nassau a primazia na feitura de pontes e que, se elas não são bonitas, foi ele, todavia, quem as fez. Belo raciocínio! Em suma: as maravilhas arquitetônicas, as maravilhas pontifícias de João Maurício de Nassau são maravilhas porque ninguém as conhece. Elogiar o Bela Vista, senhores, só sendo cego ou tendo noção mui especial da Arte: De gustibus et coloribus non disputandum est: gosto e cores não se discute.

— Para evitar a possível alegação de estar eu atacado de ‘nassofobia’, reproduzo mais uma vez a seguinte passagem de Watjen” “Materiais de construção eram em grandes quantidades transportados para o Brasil, pois AÍ LITERALMENTE HAVIA FALTA DE TUDO. E assim os navios carregavam cal, tijolos, ladrilhos, para a construção de casas e ruas; recebiam a seu bordo vigas, traves, tábuas, pregos e telhas”. Não é possível que os holandeses desdenhassem tão absurdamente a nossa riqueza florestal, como também havia inúmeras olarias fabricando tijolos e telhas. Por que João Maurício não aproveitou? Enquanto isso, algumas horríveis moradias eram verdadeiras pocilgas. E ainda há no Brasil quem suspire pelo domínio holandês!

— Faliu estrepitosamente João Maurício de Nassau em sua política econômica: não soube tirar da terra pernambucana o alimento para os seus soldados, funcionários e compatriotas. Nunca olharam com carinho para a terra dadivosa que se estendia a perder de vista a seus pés, para dela tirar o seu sustento. O feijão veio da Holanda, havia milhares de cabeças de gado que, de acordo com o próprio Maurício, produziam leite em abundância, mas não aproveitou nada, pois a manteiga e queijo vinham da Holanda, e ainda completamente estragados. A desculpa era que o leite do gado pernambucano era pobre em gordura, mas se Nassau tivesse realmente o dom de governar poderia ter importado touros da Holanda. Mas esses problemas de zootecnia econômica não eram dignos de um governador que só se preocupava com seus palácios e jardins.

— A tolerância religiosa de Maurício de Nassau não merece aquela fama difundida: a religião católica foi maltratada pelos luteranos e calvinistas: os fiéis não podiam mais celebrar publicamente as suas procissões, não podendo o cortejo sair à rua, devendo ficar confinado às paredes da igreja. Posteriormente houve expulsão em massa de frades carmelitas, franciscanos e dominicanos, sob o pretexto de relações criminosas com o inimigo.

— A brutalidade dos apetites nazistas, a insistência com que os escritores alemães reivindicam as apregoadas glórias do Príncipe João Maurício de Nassau, como legítimas glórias tudescas, deram-me repentinamente uma sensação de perigo para a nossa nacionalidade. Me pergunto, com angústia, o porquê ao culto deste verdadeiro ídolo de pés de barro que é João Maurício, quando estudado, sem fantasia ou ódio, seus atos e gestos, apenas iluminado pelo desejo sincero de encontrar a verdade.

— Nunca serei admirador do inimigo mais perigoso que a nossa nacionalidade encontrou até hoje. As pretendidas qualidades e virtudes de Nassau desaparecem diante dos males incontáveis que praticou contra as gerações passadas. Mesmo contemplando com admiração e fervor artístico um quadro de Frans Post, vejo por detrás das tintas brilhantes, sangue, lágrimas e suor de agonia.
Acautelai-vos com a sombra de Nassau, porque quem age nas…….sombras, é perigoso……..

Esta compilação do livro “Maurício de Nassau contra a integridade do Brasil” foi escrita por Johan Scheffer e publicada pela ACBH na revista De Regenboog nº 296 novembro 2023.

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