João Maurício de Nassau e a Escravidão

Amsterdã, 2024. A cidade não para de crescer. Antigas construções são derrubadas para dar lugar a moradias novas. Novas ruas são abertas e aguardam seus nomes de batismo. Depois de terem esgotado os nomes de pessoas (de alguma ou nenhuma importância histórica), os nomes de países e rios do mundo inteiro, os nomes de peixes, flores, pássaros e pedras preciosas, chegou a vez de usar nomes de ‘especiarias’ (kruiden). O motivo se justifica porque o local onde o novo bairro está sendo erguido antigamente era conhecido por seus grandes mercados que comercializavam, tanto vendendo quanto comprando, alimentos de toda espécie. Assim nascerão ruas como Gemberstraat (Rua do Gengibre), Vanillestraat (Rua da Baunilha), Kaneelstraat (Rua da Canela), Kruidnagelstraat (Rua do Cravo), Anijsstraat (Rua do Anis), Peperstraat (Rua da Pimenta) e assim por diante. O nome Nootmuskaatstraat (Rua da Noz-Moscada) foi barrado! Motivo: este nome poderia despertar lembranças desagradáveis à época colonial quando a VOC (Companhia Unida das Índias Orientas) comercializava este produto, que era adquirido na atual Indonésia, sob circunstâncias nada civilizadas e nem sempre pacíficas. Não está claro porque a Noz Moscada se tornou vítima, pois todos as especiarias anteriormente citadas eram produtos comercializados pela VOC. Também não se sabe se as pessoas que protestam contra o nome de Noz Moscada se abstêm deste produto, e outros, nas suas refeições. A cidade Almere, próxima de Amsterdam, tem sim uma rua chamada Nootmuskaatweg. Um dos governadores das Índias Orientais daquela época, Jan Pieterszoon Coen, teve a sua estátua na cidade de Hoorn várias vezes pichada e atacada na tentativa de derrubar mais uma lembrança da época colonial holandesa. Resta saber se a simples eliminação de nomes históricos de placas de rua, a derrubada de estátuas e outros vestígios do passado colonial holandês, serão suficientes para apagar o passado sombrio, fazendo com que os cidadãos de hoje ‘paguem’ pelos crimes cometidos por cidadãos holandeses num longínquo passado. Muito mais produtivas serão uma profunda reflexão e retificação das páginas dos livros de história que não tocam neste assunto.

Este assunto está cada vez mais em discussão e a pessoa de João Maurício de Nassau também não escapa. Após uma rigorosa reforma da Casa de Maurício (Mauritshuis) em Haia, o museu foi reinaugurado em 2014. Um parlamentar publicou suas críticas, dizendo que a direção do museu tinha ‘escondido’ o passado ‘negro’ de João Maurício, referindo-se claramente ao envolvimento deste no tráfico transatlântico de escravos da África. Esta crítica foi o começo de uma chuva de acusações contra João Maurício, entre outros resultando em apelidos, nem sempre corretos, como ‘negreiro’, criminoso, bandido etc. O envolvimento de João Maurício no tráfico de negros está absolutamente comprovado e é descrito em muitos documentos. O historiador brasileiro José Antônio Gonsalves de Mello já escrevia, em 1947, que os navios negreiros holandeses eram ‘caixões flutuantes para seus passageiros’. Uma cópia do busto (borstbeeld) de João Maurício foi removido da entrada em 2018 e foi parar no depósito do museu.

Busto de João Maurício de Nassau
escultor: Bartholomeus Eggers, 1664
Museu Mauritshuis, Holanda

Dois Homens Africanos
pintor: Rembrandt Harmenszoon van Rijn, 1661
Museu Mauritshuis, Holanda

O famoso quadro ‘Os Mouros’, pintado em 1661 por Rembrandt, recebeu o novo nome de ‘Dois homens africanos’, pois provavelmente Rembrandt pintou negros oriundos do Brasil. Naquela época, havia em Amsterdam uma comunidade de homens e mulheres africanos que, como escravos, soldados ou marinheiros, via a WIC tinham fixado residência nesta cidade.

Este artigo foi escrito por Johan Scheffer e publicada pela ACBH na revista De Regenboog nº 299 fevereiro 2024.

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