Oom Leen Los

Por Gilberto de Geus

Este meu tio-avô mereceria um livro sobre sua vida, pois sem dúvida é uma “figurinha rara” que não pode faltar em nenhum álbum de colecionador.

Filho de Gerrit Los e Jannigje de Heer tinha como irmãs Cornelia, Adriana, Pietje, Jannigje (minha avó materna), Maartje e irmãos Jan e o Daniel. A família do Gerrit morava próximo à ‘s-Gravendeel, onde era verdureiro em Zwijndrecht – Holanda e possuía um hectare de terra para o cultivo das verduras. Logo percebeu que não daria conta de sustentar sua família com aquele pequeno pedaço de terra. Seus filhos Jan e Leen trabalhavam de saqueiros numa fábrica de adubos, e assim conseguiam aumentar a renda familiar. Não vislumbrava futuro para sua família. Num encontro casual que o destino lhe preparou encontrou o Sr. Aart Jan de Geus (meu bisavô paterno) que estava preparando a documentação de imigração para o “paraíso” chamado Brasil. Este lhe contou sobre sua mudança rumo à nova pátria, isso lá pelos anos de 1912. Empolgado o Sr. Gerrit conversa com sua família e resolvem de pronto acompanhar a família De Geus. Em 14/07/1913 o navio Frisia chega ao Brasil com parte da família De Geus, Los e Harms. Como as famílias estavam de mudança definitiva para a nova pátria, trouxeram de tudo um pouco, e claro, muita bagagem. E aí começam a deparar com o “paraíso brasileiro”, os aduaneiros desconfiaram do tamanho da bagagem e retiveram tudo para ser aberto e verificado. Encontraram algumas garrafas de Jenever (bebida alcoólica típica da Holanda) e consideraram que a bagagem era contrabando. Tudo retido para verificação e demoraria muitos dias para ser liberada. Decidem então continuar a viagem até Carambeí e deixam para trás o Leen, Jan e Arie de Geus (que já estava instalado no Brasil) no Rio de Janeiro até que a bagagem fosse liberada. Assim começa a saga do nosso personagem no Brasil.

Mas antes de chegar na nova morada em Carambeí, Sr. Leen Los já deixou histórias. Uma delas foi a bordo do navio Frisia onde, em alto mar, salvou a vida de um pequeno viajante também rumo ao Brasil. As famílias em viagem passavam muitas horas no convés, pois os alojamentos eram enormes compartimentos, cheios de camas, pouca ventilação e fedorentos. Nesses encontros entre desconhecidos, porém com o mesmo destino, acabavam formando novas amizades. Certa vez os Los, De Geus e Harms estavam passando seu tempo no convés com suas crianças brincando, e eis que um dos pequenos saiu de perto dos seus pais, ainda nenezinho que engatinhava, aproximou-se por demais da quilha do navio e passou parte do seu corpo para fora. Foi aí que o Leen Los agarrou o pequeno pela perna, no momento exato, pois o pequeno estava prestes a cair em alto mar. Este garotinho que quase ficou em alto mar era o Johan Harms. A outra história se passa no Rio de Janeiro. Os imigrantes, ao desembarcar nos portos brasileiros, eram obrigados a passar por uma espécie de quarentena, para verificar seu estado de saúde e impedir que novas doenças chegassem junto com eles. Essa quarentena era feita na Ilha das Flores onde, além do alojamento para os recém-chegados, havia uma base naval. Era expressamente proibido deixar o local até a liberação pelos médicos. Pois bem, nosso Leen, depois de semanas a bordo do navio, queria conhecer o Rio de Janeiro e não pensou duas vezes. Durante a noite, junto com um amigo também holandês, atravessou a nado a Baía da Guanabara. Chegando na cidade ficou deslumbrado com a beleza do lugar, aqui e ali fez suas perguntas, e descobriu que em 1913 havia dois carros na capital brasileira. Antes do amanhecer voltaram a nado para a Ilha das Flores (pelo Google Maps esta travessia seria de uns 4 km).

Leen era o filho mais velho dos Los, e foi o primeiro jovem a se casar com uma moça que não morava em Carambeí. Ele casou-se com Helena Wunder, de ascendência alemã, era filha de um pastor da colônia Primavera situada em Palmeira. Dono da primeira venda em Carambeí, os jovens, principalmente alemães, aos sábados podiam desfrutar de um ponto onde além de comprar seus cigarros podiam saborear uma deliciosa cerveja. Senhor Leen vendia de um tudo na sua venda, logo começou a fazer charque (carne de sol) o que lhe rendeu um bom dinheiro. Na década de 1930 o Sr. Leendert de Geus (meu avô paterno) procurou o Sr. Leen Los para juntos começar uma nova atividade em Carambeí (meu avô paterno era incansável em tentar diversificar a produção em terras carambeianas, e ao mesmo tempo gostaria que seu amigo Leen sobrevivesse de outra fonte de renda que não fosse o da bebida alcoólica). Juntos decidem plantar repolho, achavam que a região aceitaria bem a nova cultura pois em Carambeí e na vizinha cidade Ponta Grossa existiam muitos alemães e estes com certeza consumiriam o repolho para a produção de um dos pratos típicos o “zuurkool” ou “sauerkraut” ou então repolho azedo. Prepararam um belo pedaço de chão, corrigiram o solo, adubaram, compraram as sementes e semearam. Logo as plantinhas já estavam viçosas e uma boa colheita de repolhos pôde ser feita. Carregou uma carroça com o produto de sua colheita e enviou seu filho Daniel junto com o Willem filho do Leendert de Geus, rumo a Ponta Grossa. Rodaram horas pelas ruas da cidade vizinha e não conseguiram vender seus repolhos. Nervosos os meninos na volta para Carambeí despejaram a carga de repolho no rio Pitangui. Mais uma vez a tentativa de inovar na produção havia logrado numa tremenda frustração.

Para não perder a terra preparada, os dois Leen combinam de aproveitar o solo corrigido e tentar uma nova cultura. O de cebola que poderia ser armazenada por um bom tempo maior, caso não fosse vendido logo após a colheita. Sr. Leen caprichoso com o seu cultivo passava horas na sua plantação de joelhos ou sentado arrancando os “matinhos”, para o desenvolvimento de suas cebolas. Colheita feita, carregaram novamente uma carroça e lá foram os meninos vender sua produção. As vendas agora até surpreenderam, foram boas, mas como havia uma produção grande deste produto na região, os preços eram bem abaixo do esperado. Mais uma vez frustração, o dinheiro que conseguiram com a venda mal pagou o investimento e nem de perto cobriu as horas de trabalho do Sr. Leen. Este desistiu de ser verdureiro e se empenhou mais na sua loja. Começa então a abater animais para venda de carne fresca aos imigrantes holandeses, atividade que exerceu com maestria por muitos anos.

O Oom Leen, como era carinhosamente chamado por todos os carambeianos, muitas vezes precisava ir para Ponta Grossa comprar itens que estavam faltando na sua venda. Aí ele se munia de um bocó (espécie de sacola de pano com alça comprida) colocava dentro um pedaço de fumo, palhas de milho, uma linguiça defumada e na mão levava uma garrafa de cachaça. A linha férrea passava bem próximo a sua casa, então ele, “velho” conhecido dos maquinistas das Maria Fumaça, esperava a hora do vapor passar, e com o braço estendido o maquinista ou o foguista puxava ele para dentro da máquina. Assim, entre uma cachacinha e outra, um pedaço da linguiça e fumando o “paiero” (cigarro feito com palha de milho e fumo em corda picado) viajava gratuitamente e de primeira classe até Ponta Grossa, onde fazia suas compras.

Já passando dos 70 anos, isso nos anos de 60/70, ele gostava mesmo de ir até a represa dos Alagados para pescar. Lembro bem de uma escama de peixe (uma carpa) que ele junto com o seu irmão Jan mataram à remadas. O infeliz peixe, provavelmente na desova, estava nadando na flor da água e percebendo o baita dando sopa, não hesitou em pegar o remo do barquinho e tacou no lombo do mesmo. Meu pai gostava muito de pescar e quando soube da proeza dos irmãos, pegou sua Kombi e foi ver o peixe, com mais de 25 kg, ganhou de lembrança uma enorme escama que ficou guardada como amuleto por muitos anos. Lembro das pescarias que fizemos juntos: Oom Leen, Oom Jan, meu avô materno Opa Cor, meu pai e eu. O interessante dessa história é que não era necessário avisá-los que íamos pescar, principalmente o Oom Leen, fosse o dia que fosse, era encostar a Kombi e lá estava ele prontinho para ir pescar, com sua tradicional vara para pegar traíras, sua latinha com minhocas e o famoso bocó, onde, além de um pedaço de pão, uma linguiça defumada e um litro de café preto, tinha ainda uma pedaço de fumo em corda que ele usava para mastigar (pruimen) enquanto pescava. Ele preferia mastigar o fumo, ao invés de fumar, pois aí suas duas mãos ficavam livres para fisgar o peixe. Na volta dentro da Kombi, só se ouvia as histórias de pescador, e uma gozação em cima daquele que voltava “sapateiro”. Ainda sobre pescaria: durante a visita do príncipe holandês Sr. Bernard, comemorando os 50 anos de Carambeí, o príncipe no encontro com os pioneiros perguntou ao Oom Leen do que ele mais gostava de fazer. A resposta pronta foi – “Vissen, majesteit !” (pescar majestade).

Oom Leen era muito querido pelos seus netos, pois nas festas de antigamente, os pequenos ficavam praticamente sem comer das delicias servidas. Ele, ao contrário dos outros, sempre mandava para a criançada pedaços de bolo ou nacos de carne, ninguém ficava de fora. Se lhe fosse feita a tradicional pergunta sobre a mudança da Holanda para o Brasil, era enfático: “Não me arrependo de ter imigrado para o Brasil, lá na Holanda passavamos fome, e aqui nem eu e ninguém da minha família passou fome”. E o senhor não gostaria de visitar a Holanda mais uma vez? “Não, eu gosto do Brasil e não preciso voltar lá!”

Fotos: Acervo APHC