Uma história do Pioneiro Jan Vriesman (meu bisavô)

Por Gilberto de Geus

“O que a falta de conhecimento pode provocar!”

Em 1908 a primeira leva de imigrantes holandeses chega no Paraná, em Irati na Colônia de Gonçalves Junior. Terra nova, novos desafios e grandes dificuldades.

Meu bisavô materno Sr. Jan Vriesman, sua esposa Jacoba Wilderom e os filhos Jacob, Cor, Coo, Jan e a filha Guurt estavam entre eles. Pioneiro, enfrentou de maneira quase sobre-humana as dificuldades.

Na Holanda Jan era responsável por retirar turfa (usada para queima) e limpeza dos canais que cortavam a terra plana. Devido ao seu trabalho braçal ele era fisicamente forte.

Chegando em Irati se depararam com a fechada Mata de Araucárias que recobria um solo fraco e pedregoso, composto por uma fina camada de húmus sobre um cascalho. A única maneira de plantar algo era derrubar o mato, colocar fogo e sobre as cinzas plantar feijão, milho, mandioca ou batata doce. Uma diferença brutal com a maneira de cultivar na terra natal. Além desta novidade de como cultivar a terra, tinham também dificuldades com a língua portuguesa. Às vezes tento me colocar no lugar destes pioneiros, me imagino numa terra estranha sem falar a língua local. Como eu iria me “virar” para sobreviver? Mesmo com a melhor imaginação acredito que dificilmente chegaríamos perto da realidade enfrentada por eles. Mas eles, bem ou mal,superaram as dificuldades..

Voltando à historia do Sr. Jan, ele conseguiu se comunicar com os “nativos” e descobriu como preparar e cultivar naquelas terras. Aprendeu que para preparar a terra precisava abrir uma “roça” (derrubar a mata, esperar secar, atear fogo e plantar em cima das cinzas). E ele fez isso.

Juntou suas ferramentas, abriu uma picada pela mata e começou a abrir uma clareira, fez isso num formato mais ou menos redondo e no centro havia uma enorme árvore que não conseguiu derrubar. Usou este local como refúgio para as horas do lanche, para o descanso e para guardar suas ferramentas.

Segundo os nativos, depois do corte dever-se-ia esperar alguns meses para que a mata derrubada secasse, e aí por o fogo e isto tudo deveria acontecer antes da primavera, pois esta seria a época correta do plantio.

Meu avô, completamente ignorante neste tipo de manejo, depois de ter derrubado a mata e aguardado a secagem da “gaiaça”, resolveu iniciar a queima e foi aí que a falta de conhecimento quase ceifou sua vida.

Imaginem uma roça em formato redondo com uma saída em forma de picada que levava para sua casa, e no centro a grande árvore. Pois bem, ele começou a colocar o fogo pelas “beiradas” e foi fechando o circulo. Terminado esta etapa percebeu que o mato derrubado estava com labaredas imensas. E ele? Ele estava rodeado pelas chamas de vários metros de altura. Não havia como sair sem se queimar vivo. Esta região era rica em “taquarais” (espécie de bambu) excelente combustível para o fogo, e a queima faz com que os gomos dos bambus estourem, fazendo um barulho ensurdecedor. Mais ou menos parecido com o barulho dos rojões nas festas de fim de ano. É bonito de longe mas de perto é amedrontador.

O meu bisavô estava cercado pelo fogo. O que fazer agora? Atravessar o fogo era impossível. Então lembrou da grande árvore, correu para lá, tirou suas botas de borracha e subiu, subiu o mais alto que pôde. Logo as chamas chegaram e lambiam seu corpo e suas vestes, sapecando os pelos e os cabelos… Para a sorte dele as grossas roupas holandesas impediram queimaduras graves e o salvaram da morte certa. Tudo isso aconteceu no entardecer. Já era noite quando o fogo começou a baixar, mas ainda havia muita fumaça e brasas.

Quando enfim ele pôde descer da árvore, viu que suas botas haviam se transformado numa massa derretida, suas ferramentas sem o cabo de madeira. A noite mostrava uma suave luz da lua minguante e o chão estava estrelado pela luz das brasas. E agora, como ir caminhando para casa? Sem botas? Sem lamparina?

Resolveu esperar para que as brasas diminuíssem. Não diminuíam e caminhar descalço pelo brasido – impossível! Pensou então em como atravessar esse mar de brasas, pegou o que sobrou de suas ferramentas e foi abrindo caminho até a picada que o levaria para casa.

Chegando próximo a sua casa ouviu o choro de crianças e de sua esposa. Ao redor da casa, os cavalos dos vizinhos estavam amarrados e seus vizinhos consolando a família e preparando o seu enterro. Quando ele entrou na casa, o cheiro de pelo queimado entrou junto com ele. Todos olharam assustados para o “semi-torrado” Jan, fantasiado de ” Zwarte-Piet”.

Então foi uma festa só, e ao invés do enterro comemoraram o renascimento do Sr. Jan. Que aprendeu e ensinou como não se deve fazer/preparar uma roça.