João Maurício de Nassau-Siegen e Joost van den Vondel (1)

Depois do capítulo sobre a poetisa Maria Margareta van Akerlaken, parece ser um ato de covardia dedicar agora um capítulo ao mais famoso poeta da Holanda, Joost van den Vondel. Não há, porém, nenhuma intenção em comparar estas pessoas, apesar de podermos constatar que um abismo separa as duas.

Os pais de Joost van den Vondel moravam na cidade de Antuérpia (Bélgica), mas por causa da perseguição religiosa (a família era menonita) fugiram para a cidade de Colônia (Alemanha). Foi nesta cidade que Joost van den Vondel nasceu, em 17/11/1587. Seguiram-se novas mudanças até finalmente radicar-se em Amsterdã, capital da Holanda, onde a família abriu uma próspera loja de sedas.

Joost van den Vondel (1587-1679)

Quadro (1665) de Philip de Koninck (1619-1688)

Este quadro está no museu Ons’ lieve Heer op Solder (Nosso Senhor no Sotão). Entre 1661 e 1663 este museu era uma casa no centro de Amsterdã. Os três andares superiores foram transformados em uma igreja doméstica, schuilkerk ou igreja clandestina. Era uma época quando aos católicos era proibido adorar em público.

Vondel casou aos 23 anos com Mayken de Wolff. O casal teve quatro filhos dos quais dois morreram na infância. Vondel ficou viúvo em 1635.

Vondel converteu-se ao catolicismo até o ano de 1641. Os motivos não são bem claros, mas ele estava bem desgostoso da “guerra religiosa” na Holanda entre Gomaristas e Arminianos de origem calvinista. Sendo menonita também não era bem recebido neste meio. Muitas peças teatrais foram censuradas ou proibidas de serem apresentadas quando havia indícios do catolicismo. Ele tinha uma profundo aversão ao islã, para não dizer medo.

É possível que Vondel e João Maurício tenham se encontrado no atelier do pintor Govaert Flinck, grande amigo de Vondel. Flinck tinha pintado um quadro de Vondel e este por sua vez tinha escrito vários versos curtos a título de legenda em quadros de Flinck. João Maurício foi pintado duas vezes pelo mesmo pintor.

A primeira poesia de Vondel dedicada a João Maurício foi escrito sem que os dois tinham se encontrado. A poesia é referente a um banquete festivo na prefeitura de Amsterdã. Todo ano, no dia 2 de fevereiro, era trocado o governo muncicipal (prefeito, vereadores e secretários) e João Maurício tinha enviado várias peças de carne, resultado de caça em Cleves, para este banquete.Vondel recebeu a incumbência de agradecer João Maurício, e assim escreveu a poesia “Cântico à Caça.” Vondel sabia quem era João Maurício, pois ele faz referência a alguns fatos conhecidos. Por exemplo, sabia que João Maurício era o ‘braço direito’ do príncipe Frederico Henrique de Oranje-Nassau. Vondel está ao par também que, na conquista de Schenkenschans, o chapeu de João Maurício tinha sido perfurado e que o mesmo tinha perdido um pedacinho de uma orelha. Vondel diz assim: “Seu orgulhoso chapéu perfurado é testemunha da sua pura fidelidade e brava coragem guerreira.” Também é a primeira vez que Vondel se refere a João Maurício no papel de ‘príncipe de paz’: “A coragem do herói, experiente nas águas e na terra, coloca acima de tudo a paz e tranquilidade; ele odeia o derramamento de sangue.”.

Vondel considerava a ‘ameaça turca’ um perigo mortal para o cristianismo na Europa. Em várias ocasiões ele alertava contra a ‘meia lua’, não sem motivo quando se sabe que a cidade de Viena (Áustria) em 1680 foi sitiada pelos turcos. Vondel considerava João Maurício a pessoa apropriada para combater o islã. João Maurício era cavalheiro da Ordem de São João (Johanniter Orde)* com antiga tradição de combate ao islã. Vondel se empolgou com o ‘glorioso’ passado dos cruzados e considerava João Maurício um líder por eminência para afastar o islã da Europa. João Maurício era comendador da Bailia de Brandenburgo, uma Província da Ordem.

Neste mesmo ano de 1656 Vondel se refere mais uma vez a João Maurício. Por ocasião das segundas núpcias de Govaert Flinck, Vondel faz uma poesia de louvor aos quadros do pintor e cita, entre outros, um quadro com a figura de João Maurício: “Assim vive MAURÍCIO, que, como uma coluna de cobre, apoiava o Novo Mundo e resistiu no Brasil porque Portugal, e todo litoral, preto de selvagens, dirigiam a ele seus canhões, fuzis e flechas.”

Govaert Flinck (1615-1660)
Autorretrato de 1643

(Observe a Cruz de Malta no peito de João Maurício)

A Ordem de São João (Johanniter Orde) tem uma história de mais de mil anos. No decorrer do século VII, os cristãos tinham perdido as regiões em torno do Mediterráneo. Mesmo assim, peregrinos cristãos procuraram visitar os lugares citados na Bíblia, especialmente Jerusalém. Os peregrinos sofreram muito nestas viagens e no percurso foram instalados vários hospitais. Em 1048 foi inaugurado o hospital São João em Jerusalém. No fim do século XI começaram as cruzadas que tinham por finalidade libertar Jerusalém do islã. Um dos líderes, Godofredo de Bulhões (Godfried van Bouillon), conquistou a cidade em 1099 e visitou o hospital São João. Ele ficou impressionado pelo bom trabalho ali realizado e fundou uma irmandade que tinha por finalidade atender doentes e outras pessoas necessitadas. Com a Reforma (Lutero) houve uma cisão na Ordem. Os protestantes da Alemanha se separaram. Após a expulsão definitiva da Terra Santa, a Ordem se estabeleceu definitivamente na ilha de Malta, doada à Ordem em 1530 pelo imperador Carlos V.

– Retrato de João Maurício como cavaleiro da Ordem de São João. Quadro pintado em 1666 por Pieter Nason (1632-1690)
Museu Nacional de Varsóvia

Este artigo foi escrito por Johan Scheffer e publicado pela ACBH na revista De Regenboog nº 284 novembro 2022.

 

Voltar para a página: Histórias Scheffer