O (quase) afogamento de João Maurício (1)

João Maurício (Johan Maurits), conde de Nassau-Siegen, quando tinha apenas 14 anos, foi conhecer seu tio Willem Lodewijk, na cidade de Leeuwarden, capital da província Frísia (Friesland). Willem Lodewijk foi o primeiro stadhouder (governador) da Frísia e era muito querido e respeitado, o que lhe rendeu o apelido de ‘ús heit – nosso pai’ (no nordeste brasileiro, seria ‘painho’). A visita de João Maurício não era apenas para estreitar os laços familiares. Também tinha a intenção de traçar o seu futuro, de preferência na área militar. Nada melhor do que procurar orientação e conselhos de militares com experiência, no caso o tio Willem Lodewijk e o primo deste, o príncipe Maurício de Oranje-Nassau. Este último (primo em segundo grau) também era o padrinho de João Maurício. Jovens nobres aprenderam a profissão militar nos campos de batalha e, em 1620, aos dezesseis anos, João Maurício já fazia parte de um regimento de cavalaria do príncipe Frederik Hendrik, irmão mais novo do príncipe Maurício de Oranje-Nassau. Neste mesmo ano, faleceu Willem Lodewijk e João Maurício participou do cortejo fúnebre.

O quarto governador da Frísia, Willem Frederik van Nassau-Dietz (1613-1664), primo de João Maurício, era um militar competente e possuía um caráter excelente. Ele governou de 1640 até 1664. Foi neste ano, no mês de outubro, que ele perdeu a vida de uma maneira trágica: manipulando uma pistola que lhe poderia ser útil na sua viagem à Westfália (Alemanha), um tiro lhe atingiu no rosto. Três dias depois ele morreu.

Nos anos em que Willem Frederik visitava a cidade de Haia (Den Haag), muitas vezes se encontrou com João Maurício, entre outros na Mauritshuis, residência de João Mauricio. Juntos almoçavam, jantavam e caminhavam no bosque, como ele escreveu no seu diário.

Johan Maurits van Nassau foi ao enterro de Willem Frederik no mês de dezembro daquele ano. Iniciando a viagem de retorno, no dia 6 de janeiro de 1665, ele teve a infelicidade de cair na água quando uma velha ponte ruiu, na cidade de Franeker. Grande parte da sua comitiva envolveu-se na queda, mas todos foram salvos da morte iminente. Pouco tempo depois, Johan Maurits escreveu uma longa carta a sua irmã, a Condessa Van Stirum. “Esta carta é pouco conhecida, não é datada e pela sua importância merece ser divulgada”: (J, van Leeuwen em “De Vrije Fries”, 1842)

Placa comemorativa na cidade de Franeker.
Foto do autor.

“Querida Irmã,

A vossa carta de 19 de janeiro eu recebi com satisfação; agradeço de coração por este ato de misericórdia cristã que quis demonstrar pelo acidente que aconteceu comigo. Foi o Senhor que salvou a minha vida. Tenho certeza disso cada vez que eu penso sobre aquela queda horrível e o longo tempo que eu estive na água sob as patas de 6 cavalos que, enfurecidos, assustados e aflitos para se salvar, mordiam e batiam; como também havia 5 pessoas que estavam misturadas num espaço de dez pés, e eu embaixo de todos eles: Cada vez mais eu me admiro sobre a misericórdia e o milagroso salvamento divino, e digo: o Senhor, e somente Ele fez este milagre com seu servo. Pois quando o meu cavalo estava com as patas dianteiras na estrada e em terra firme, mas com ambas as patas traseiras na ponte, a mesma ruiu de repente, com um barulho horrível. Meu cavalo estava no fim da ponte, de maneira que eu fiquei pendurado com meu cavalo, até que as outras pessoas e cavalos, em número de 5, também caíram juntos uns sobre os outros. De um lado, a ponte ficou presa na terra firme, mas, pela inclinação, tudo que estava na ponte deslizou para baixo.

Quando finalmente meu cavalo não conseguiu mais se segurar, eu caí com ele de costas na ponte, no meio das pessoas e dos cavalos furiosos que, para se salvar, machucaram muita gente. Um espetáculo horrível para assistir conforme relataram todas as pessoas. Após ter ficado até o pescoço na água, veio um tenente, de nome Eckering, para me salvar; mas ele mesmo foi derrubado do cavalo na água, e um outro cavalo me pressionou debaixo da água. Eu fiquei assim até que todos estes cavalos saíram deste lugar e o meu cavalo permaneceu sobre mim. Finalmente, meu fidalgo senhor Benting tomou uma atitude e tirou o cavalo do meu corpo, e assim meu pé esquerdo subiu e o meu fidalgo senhor Iselsteyn o pegou, e com a ajuda de muitas outras pessoas que se seguravam na parte inclinada da ponte quebrada, me tiraram da ponte. Só posso dizer que se eu não tivesse me afogado, eu teria sido esmagado totalmente pelos cavalos e teria todos os membros quebrados. Assim que eu saí da água, eles viram que eu estava vivo porque eu estava de boca muito aberta procurando respirar. As pessoas se esforçaram tanto para me salvar que me agarraram e me puxaram com tanto vigor, que quase deslocaram meus membros, (porque as minhas roupas estavam encharcadas pela água e barro).

Assim que eu cheguei em terra, eu me ajoelhei e agradeci meu Deus pelo salvamento. Aqueles que estavam mais distantes gritavam: “Ele não consegue ficar de pé, ele quebrou as costas”. Depois deste breve agradecimento, eu perguntei quem tinha se afogado ou machucado, mas, graças a Deus, não houve ninguém. Fui levado à casa mais próxima, me enxugaram, me sangraram a veia e me colocaram na cama. A maior graça que Deus me concedeu foi que, mesmo estando debaixo da água, guardei meu raciocínio por completo, e nos meus pensamentos pedi a Deus, sem cessar, perdão dos meus pecados e que Ele, pelos méritos de Cristo, tivesse misericórdia de mim, pobre pecador. Como eu não recebi ajuda estiquei a minha mão para mostrar onde eu estava: essa mão foi vista pelas pessoas, mas por causa dos cavalos ninguém conseguia chegar até mim. Graças a Deus, eu me sinto cada dia mais forte, e é surpreendente, que não entrou água no meu corpo, nem pelos ouvidos, nem pela boca ou nariz. Nenhum cavalo me atingiu a não ser o meu próprio, que caiu no meu peito, onde eu sinto as piores dores. O Senhor fez comigo o que era do Seu agrado. Amém.

As pessoas, que comigo caíram na água com seus cavalos, eram as seguintes:

I. O Freiherr [barão] van Schwartzen-Burgh, Capitão de Cavalaria.
II. O Freiherr van Schwartzen-Burgh, Coronel.
III. Senhor Kingma.
IV. Senhor Eckering, Tenente.
V. Senhor Lycklama.
Todos eles sem ferimentos.

Vosso querido Irmão,
Joan Mauritz von Nassaw”

Por ocasião deste acontecimento, o Conde redigiu seu testamento na cidade de Franeker e o entregou aos cuidados da Academia desta cidade.

O (quase) afogamento de João Maurício (2)

Joost van den Vondel (1587-1679), o mais famoso poeta da Holanda, escreveu alguns versos sobre este acidente, que ele chama de “Feliz acidente do príncipe Johan Maurits van Nassau pela queda da ponte em Franeker, caindo com seu cavalo na água, no dia 6 de janeiro de 1665” [Príncipe aqui significa “pertencer à nobreza”, pois João Maurício era conde].

Os versos são, provavelmente, uma tradução resumida dos versos de seis linhas em latim do poeta Petrus Francius (Pieter de Frans-1645-1704) e que foram escritos para acompanhar as gravuras que, em três fases mostram o acidente. As gravuras são obra do artista Jan de Visscher (1633-1712). Dos versos em latim, Vondel manteve os títulos das gravuras.

Título original da poesia escrita por Joost van den Vondel.


Tradução:
Sobre o Feliz* Acidente do Príncipe Johan Maurits van Nassau pela quebra da ponte em Franeker, caindo com seu cavalo na água no mês de janeiro de MDCLXV.

*Feliz, porque o príncipe não morreu!

Volvitur in caput (De ponta cabeça)

A ponte na Frísia* se recusa a suportar o Bucefal** de Nassau
E também Maurício, com sua carga de virtudes e coragem.
Assim, ele mergulha, com seu cortejo, na água do baluarte.
O príncipe sol se afoga. A aurora nunca mais virá!

* Frísia é o nome da província onde está localizada a cidade de Franeker, local do acidente.
** Bucefalus (Bucéfalo) era o nome do cavalo de Alexandre, o Grande, ou Alexandre Magno, rei da Macedônia

Sol em aquario (O sol em Aquário*)

Embora as chamas morram na água, ele vive no calor ardente
Que Deus acendeu dentro do seu peito zeloso,
Protegido do sufocamento e das patas angustiadas.
O sol* de Nassau agora está no signo de Aquário.

* O título “O sol em Aquário” é uma referência a “O príncipe sol”, no fim do verso anterior e esta alegoria é repetida na última frase deste verso.

Ereptus ab undis (Salvo das ondas)

Aqui, glória a Deus, ele emerge no horizonte* para oferecer
O dia com seu brilho ao santo reino Romano**.
Vive no mundo velho aquele que viu o mundo novo***.
Quem confia em Deus, nem pata nem água poderão lhe ferir.

* A alegoria do sol é mantida.
** Em 1652, Maurício de Nassau é designado príncipe do Sacro Império Romano Germânico pelo imperador Ferdinando III.
*** “O mundo novo” é uma referência ao Brasil, onde Maurício foi governador.

Como o próprio João Maurício já tinha contado a sua irmã, ele se feriu gravemente. Ele tinha recebido coices dos cavalos no peito e na cabeça e suas mãos estavam muito machucadas. Uma vez em terra firme ele desmaiou. Foi levado para a casa Martena, do falecido Joachim Andreae, cuja viúva cuidou de João Maurício durante várias semanas. Albertina Agnes, viúva de Willem Frederik, muito assustada, foi visitá-lo já no dia seguinte.

Este artigo foi escrito por Johan Scheffer e publicado pela ACBH na revista De Regenboog nº 267 junho 2021.

Fontes: Delpher Kranten e Arquivos Rijksmuseum Amsterdam.

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