João Maurício de Nassau-Siegen e Vondel (3)

No ano de 1662. Vondel escreveu um dos seus poemas mais longos. O título é Joannes de Boetgezant, João, o Penitenciário. O nome João se refere a João Batista, Johannes de Doper. A palavra ‘penitenciário’ não tem nada a ver com uma pessoa que está presa numa penitenciária, um “estabelecimento a que se recolhem os condenados à pena de reclusão ou detenção” (Dicionário Aurélio). A palavra penitenciário, no contexto deste poema, significa “a pessoa que convida à virtude cristã que leva ao arrependimento pelos próprios pecados” (Dicionário Aurélio).

O poema é tão extenso que o próprio Vondel o dividiu em seis livros ou capítulos. O poema conta a vida de João Batista até a sua morte por decapitação como relatada na Bíblia. Mas qual a intenção deste poema dedicado a João Maurício? No próprio poema, o nome dele não é mencionado, mas sim na introdução ao poema. Vondel quer explicar quem era João Batista, pois o mesmo era patrono da Ordem de São João (Johanniterorde) e a Bailila* de Brandenburgo desta Ordem estava sob a direção de João Maurício. Na introdução ao poema, foi a única vez que Vondel escreveu o nome de João Maurício por extenso: Joannes Mauritius. Havia, obviamente, um motivo. No poema, recheado de referências bíblicas, históricas e mitológicas, aparece a figura de São Maurício, que foi um capitão na Legião Tebana, uma unidade lendária do exército romano. Esta unidade foi recrutada no Alto Egito, em Tebas, e era composta inteiramente de cristãos. São Maurício foi o primeiro santo Legionário de Cristianismo.

O fato de João Maurício exercer a função de comendador na Ordem de São João sempre inspirou Vondel a colocar João Maurício como exemplo e sempre com o mesmo objetivo: a defesa do cristianismo contra o islã. Vondel descreve a sua preocupação: “A ilha de Creta já foi conquistada, Hungria está parcialmente ocupada, a discordância entre os países cristãos deve acabar.”

Vondel não faz distinção entre a ala protestante e a ala católica da Ordem de São João. Ele até sugere que João Maurício faça um pacto com o papa Alexandre VII e assim, unindo católicos e protestantes, vá combater o perigo ameaçador. Vondel se expressa assim: “João Maurício vai libertar a Europa de muitos flagelos, vai libertar escravas brancas (capturadas pelos Turcos) e dar um basta às blasfêmias.”

Vondel descreve largamente a história da Ordem de São João que, na época de Vondel, já existia uns 600 anos. Vondel, infelizmente, não dá a impressão de ter entendido a finalidade real da Ordem: a prática da caridade! Ele vê a Ordem como instrumento de combate ao islã. As consequências de não combater o islã, Vondel descreve assim:

“A catedral de Colônia (De Keulse Dom) se tornará uma estrebaria para alimentar os cavalos que destruíram tantos campos e que, com suas patas ensanguentadas, pisoteiam a dourada colheita. O suor dos lavradores e súditos cristãos, refugiados nas colinas, observam com lágrimas nos olhos e elevam seus olhos ao céu, pedindo que Deus envie um Macabeu (símbolo de resistência) para consolar o país.”

Depois desta imagem dramática, Vondel conclama: “Maurício, toque a trombeta”.
Nada disso aconteceu. A imagem que Vondel criou em torno de João Maurício tinha pouco a ver com a realidade. Ele viu em João Maurício um herói laureado na defesa da Holanda e na sua “batalha contra os pagãos selvagens no Brasil”. Considerava João Maurício um estadista sábio, o que teria sido comprovado na pacificação dos nobres e o Grande Eleitor de Brandenburgo, como também no seu papel prestigioso na eleição do novo imperador.

A esperança que Vondel alimentava de que este príncipe ideal lideraria a nobreza europeia na batalha contra os Turcos era condenada ao fracasso, porque João Maurício simplesmente não tinha este poder.
*Bailila: distrito/província da Ordem de São João

Fontes: Wikipedia, Soweit Der Erdkreis Reicht (vários autores) Vondel: Volledige dichtwerken en oorspronkelijk proza, verzorgd en Ingeleid door Albert Verwey

Este artigo foi escrito por Johan Scheffer e publicado pela ACBH na revista De Regenboog nº 288 março 2023.

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João Maurício de Nassau-Siegen como governador no Brasil.
Gravura de Theodor Matham (1606-1676)
Segundo esboço de Frans Jansz, Post (1612-1680)
Rijksmuseum Amsterdam

João Maurício de Nassau-Siegen
Pintor desconhecido (+- 1660)
Rijksmuseum Amsterdam