Um pouco da grande história da família Leendert de Geus (meu avô)

Parte I

Não há como não começar esta história sem ter como personagem central o Opa Leen. Nascido em s’ Gravendeel- Holanda no ano de 1894, o segundo filho da família Aart Jan de Geus. Mesmo diante de todas as dificuldades estudou e se formou técnico agrícola. Tão logo terminou os estudos assume o papel de ser o responsável pelas safras de batata nas terras da família. Primeira safra obteve razoável sucesso, porém os preços do mercado estavam péssimos e o lucro foi muito pequeno. No ano seguinte, já com uma pequena bagagem de como plantar, lá vai o Opa Leen plantar suas batatas, o mercado estava prometendo bons preços caso a colheita fosse boa, certamente traria bons lucros e talvez assim pudessem comprar um dos terrenos dos vizinhos que estavam sendo colocados à venda. Batatas plantadas, ânimo na família, pois a cultura estava indo muito bem. Até que … uma das maiores enchentes na Holanda teve início, casas praticamente submersas e toda a safra de batatas apodreceu no campo. Chateado com os dois anos ruins, Leendert comenta com o seu pai se não é melhor sair da Holanda e tentar uma nova vida longe dos Países Baixos. O bisavô Aart neste entremeio encontra o Sr. Jan Verschoor (o descobridor de Carambeí) que comenta sobre as bonitas terras existentes no Brasil, no estado do Paraná, especificamente nos Campos Gerais. Terras sem árvores, um campo bonito e numa altitude de 1100m do nível do mar. O Sr. Aart comenta em casa sobre o encontro, os olhos do Opa Leen brilham com a possibilidade de montar uma propriedade longe do alcance do mar. Depois de longas conversas, dois filhos do Sr. Aart resolvem ir ao Brasil para investigar as oportunidades que haviam sido relatadas pelo “descobridor de Carambeí”. Compram as passagens e em companhia de Jacob Voorsluys (que estava trabalhando na propriedade dos De Geus) resolvem se aventurar numa terra nova e muito distante. Assim o Sr. Jan Verschoor volta ao Brasil com três novos imigrantes: Opa Leen com seus 17 anos de vida, seu irmão mais velho Arie (que era casado e deixou esposa e filhos na Holanda) e Jacob Voorsluys.

Depois de longas semanas viajando chegam à terra nova, foi amor à primeira vista, campos a perder de vista. Pequenos lotes de terra com uma casinha para iniciar suas atividades; assim em 1911 começa a saga dos De Geus em terras brasileiras.

Opa Leen trouxe ânimo aos pioneiros, pois era o único com uma formação técnica em agricultura. Adquirem sementes, adubos e algumas vacas para produção de leite. Tenho comigo que o opa Leen, perante as grandes dificuldades que se mostravam no início da imigração, em momento algum se arrependeu de sair da Holanda para arriscar suas fichas aqui no Brasil. Começo difícil, não podia ser diferente, abandonados no meio do nada, longe de qualquer tipo de assistência governamental, ali no meio dos Campos Gerais iniciavam a realização de um sonho – instalar uma colônia de holandeses com objetivo central – o crescimento através do agronegócio.

Mais ou menos dois anos depois imigram para o Brasil o pai do Opa Leen, Sr. Aart Jan e sua família, ele com a idade de 57 anos. Quem em sã consciência imigraria com essa idade para uma terra desconhecida? Essa pergunta foi e é feita por muitas pessoas até os dias de hoje. Coragem e fé não faltaram a esta família para se aventurar no ano de 1913.

Com a chegada do Aart Jan houve um aumento na animação dos pioneiros já instalados. Ele havia vendido sua propriedade na Holanda por um bom dinheiro e transformou tudo em ouro, que trouxe consigo escondido no meio da bagagem. Com o ouro pôde comprar um enorme pedaço de terra com mais de 3.500 hectares. Terras que pertenciam a Railway Company, uma empresa brasileira, porém de capital misto especializada na construção de ferrovias. Com a sobra do ouro comprou implementos, animais, sementes e adubos, além de construir uma casa de madeira na nova propriedade. O bisavô Aart trouxe também consigo mudas de pereiras, que depois de adultas e produzindo muito bem, tornaram-se na primeira grande desilusão, pois os brasileiros não conheciam a fruta e nem seus subprodutos, ou seja, o mercado não comprou. Mas essas pereiras tiveram sua importância dentro das famílias aqui instaladas, pois era um alimento de produção fácil e muito apreciado pelos imigrantes. Meu pai contava que nas épocas difíceis a família comia pêra no café da manhã, no almoço e no jantar. Faziam isso, pois a escassez de alimentos era grande e dinheiro não havia para comprar outros víveres.

Anos mais tarde o imigrante Leendert de Geus, casou-se com Cornelia Verschoor, filha de Jan Verschoor. Numa casa pequena deram início a sua vida de casados. Logo vieram os filhos, uma penca de 15. No fim dos anos 20 e começo dos 30, a época foi bíblica, ou seja, vários anos de vacas magras. Pouquíssima renda apesar de muito trabalho. Assim os filhos mais velhos começavam na lida desde muito cedo, com seus 6 anos já começavam a realizar pequenas tarefas, entre elas plantio e colheita da batata doce (alimento para o gado de leite), recolhimento do gado no estábulo para ordenha, limpeza dos úberes das vacas antes da ordenha, guiar o cavalo nas entrelinhas do milho para passar a carpideira, catação de ovos, etc.

Vamos falar sobre a catação dos ovos, especificamente dos filhos Arie, com 12 anos (meu pai) e seu irmão Cornélio, com 10 anos. Arie sempre ralhava com seu irmão mais novo, que podemos dizer era um tanto sonhador, vivia nas nuvens, provavelmente na beira de um rio pescando enormes peixes. Certa vez durante a colheita de batata doce, Arie tentou acordar o sonhador com gritos e berros que de nada adiantavam, ai ele catou uma enorme batata e jogou-a com força em direção ao sonhador, acertou em cheio a orelha esquerda do irmão que, muito assustado e de volta à vida, perguntou ao irmão se este havia visto o que lhe havia atingido. Agora vamos ao caso do ovo na testa. Arie, logo de manhã, depois que o seu pai havia distribuído as tarefas do dia pensou: “Se o Cornélio viajar nos seus sonhos de novo, eu vou aprontar para cima dele”. Dito e feito, lá foram os dois catar ovos, uma tarefa simples e rápida, desde que o sonhador não atrapalhasse o serviço. Arie foi logo falando para seu irmão prestar atenção e para não ficar sonhando aí eles podiam terminar logo para depois brincar. Começou a catação, tudo fluindo bem. Mas a certa altura lá foi o Cornélio sonhador, justamente quando o Arie subiu no sótão do estábulo, onde havia feno estocado e as galinhas gostavam muito de montar seus ninhos no meio deste material. Arie demorou um pouco para achar os ovos, ele sabia que deveria haver ovos ali, pois seu pai havia dito que a galinha “Chica” estava a cacarejar o que a denunciou. Logo em seguida achou a ninhada e com os ovos eram muitos, tirou seu boné e dispôs os ovos dentro dele. Foi para a beirada do sótão onde seu irmão aguardava para pegar os ovos. Falou para o irmão se preparar que ele iria jogar ovo por ovo. Mas seu irmão estava apenas fisicamente em pé ali embaixo, longe nos seus sonhos não ouviu o Arie. Chamou-o mais uma vez, e nada. Por fim gritou com seu irmão que continuava imóvel com o boné estendido para apanhar os ovos. Arie não pensou duas vezes, mirou como nunca e “Pafff”! Acertou um ovo no meio da testa do seu irmão. Este esbravejou e arremessou os ovos que já estavam em seu poder na direção do Arie, e este jogou o que lhe restava no boné em direção do seu irmão sonhador. Final da catação – omelete em pleno estábulo com molho de um enorme “pito” do pai.

Leendert de Geus – “a simplicidade é uma das maiores virtudes do justo”

Parte II

Esta é uma tentativa de fazer um pequeno resumo do perfil do meu avô “Opa Leen”. Personagem muito importante na família De Geus em Carambeí, como também para o crescimento e consolidação da colônia holandesa nos Campos Gerais. Meu avô chega ao Brasil buscando uma alternativa de se tornar um grande agricultor, sonho desde jovem quando ainda cursava num colégio agrícola na Holanda. Serviu no exército holandês antes da 1ª Guerra Mundial. Orgulhoso do dever cumprido, trouxe para o Brasil o seu uniforme de militar que exibia para seus filhos demonstrando o amor e o respeito pela Pátria Mãe. Pátria esta que o abandonou no dia em que resolveu subir no navio com destino ao Brasil. Ouviu lá do governo local para esquecer e nunca esperar qualquer ajuda do governo holandês. Assim prometido, assim realizado, o governo holandês nunca ajudou e por muitas vezes nem deu resposta ao pedido de ajuda dos recém instalados pioneiros em terras brasileiras. Nem essa conduta diminuiu seu amor pela Holanda, pelo contrário, tornou-o mais forte, e com uma vontade ainda maior de mostrar que mesmo sem ajuda nenhuma, eles conseguiriam fazer com que sua ideia de construir uma nova morada se tornasse realidade.

Opa Leen veio para o Brasil pensando em se tornar um grande agricultor, ou seja, produzir alimentos em grandes áreas e em larga escala. Na chegada em Carambeí, se deparou com as famílias Verschoor e Vriesman, que estavam recém instalados e faziam parte do projeto de colonização da Railway Company, projeto dirigido principalmente para a pecuária de leite. O objetivo da Railway era a produção de queijos que seriam transportados pela ferrovia, e claro os insumos necessários para a atividade igualmente viriam através da ferrovia. Assumiu o compromisso de iniciar com a produção de leite, comprou algumas vacas, construiu uma pequena casa e um pequeno galpão para o início de suas atividades. Opa Leen, em conjunto com seu pai Aart Jan e o amigo Jacob Voorsluys estavam obtendo bons resultados em 1916 abrem a De Geus & Cia, uma minifábrica de queijos que além de transformar o leite por eles produzido ainda poderiam comprar o leite dos outros colonos para a produção de queijo. Sr. Jacob foi o responsável pela produção. Durante alguns anos a empresa se mostrou eficiente dando um pequeno lucro para os De Geus. Logo surgem problemas sociais, alguns colonos não acham justo que a De Geus & Cia seja só da família, então surgiu a ideia do Sr. Gerrit Los sobre o cooperativismo. Assunto discutido e aceito pela maioria, os recém-chegados holandeses abrem a primeira Cooperativa de produção do Brasil isso em 1925 que levou o nome de Sociedade Cooperativa Hollandeza de Laticínios – BATAVO.

Novos desafios pela frente, Opa Leen, seu pai Aart, Jacob Voorsluys, Leendert Verschoor, Gerrit Los, Jan Vriesman e demais familiares tem como grande desafio: trabalhar em conjunto. Nos períodos em que o mercado estava comprador tudo ia muito bem, mas nas épocas difíceis alguns dos cooperados deram as costas para a cooperativa. Assim, administrar esse caldeirão de divergências por vários anos não foi fácil para o Opa Leen, que desde o início foi um dos pilares para manter a cooperativa em funcionamento, mesmo em detrimento dos interesses próprios. Interesses esses defendidos por sua esposa, que estava enxergando os excessos do Opa Leen em benefício do comum e esquecendo um pouco a sua família. A Oma Cornelia em hipótese alguma era contra o bem comum, muito pelo contrário, as portas de sua casa estavam sempre abertas para tudo e para todos, mas ela não achava justo os “exageros” do Opa Leen, nada que uma conversa sob quatro olhos (onder vier ogen) não pudesse ser contornado.

O Opa Leen nunca mediu esforços para o bem comum, assim por vezes sacrificava sua família, que poderia estar em melhores condições financeiras, em prol do bem comum e da cooperação. Lembro meu pai contando que quando o Opa viajava para resolver os negócios da cooperativa, ganhava um dinheiro para os gastos, mas sempre devolvia e evitava gastar. Ele não achava justo que os cooperados pagassem suas viagens e nem seu hotel, muito menos suas refeições. O único luxo que se permitia era de comprar com o dinheiro dos cooperados um sanduíche de língua ao molho na lanchonete Paschoal em Castro, segundo ele esse sanduíche de língua ao molho era o melhor lanche do mundo. Outras maneiras de ajudar eram a de doar ou vender a preços baixíssimos terras para os imigrantes. Assim grande parte dos 3.500 hectares comprados por seu pai foram parar em mãos dos novos imigrantes, e o dinheiro obtido era reinvestido para o bem comum. Foi assim com o Sr. Jan Los, filho do Gerrit que desistiu da cooperativa, mudou-se para Castro, perdeu tudo, e para voltar o pai do Opa Leen entregou um pedaço de terra ao Jan, com o compromisso de agora ficar em Carambeí. Vale citar que mesmo se desfazendo do grande patrimônio em terras, ele entregou uma chácara montada para cada um dos seus filhos homens, como presente de casamento.

Opa Leen sempre estava em dupla ou tripla função, assim além de tocar sua chácara e cuidar da sua família, estava como dirigente da cooperativa e ao mesmo tempo no conselho da Igreja e nesse conselho era o representante para supervisionar os trabalhos na escola que pertencia à Igreja. Apesar de sempre estar pronto para quem precisasse, ele não descuidava de sua família, assim quando a noite caía, e não havia nenhum compromisso externo, reunia sua família na sala de estar, pegava um livro e relatava estórias para sua filharada, segundo a tante Tonia o Opa era um ótimo contador de estórias, sabia como poucos captar a atenção dos pequenos, imitando e produzindo sons para complementar os contos. Enquanto isso a Oma Cornelia remendava as meias furadas, tricotava, fazia crochê ou costurava as roupas para sua enorme família. Outras vezes sentava com seus filhos para jogar dominó, damas, moinho, entre outros. Mesmo com todas as suas ocupações nunca deixou de ser pai.

Já relatei as grandes dificuldades do início da colonização, mas o Opa nunca desanimava diante das grandes dificuldades, a fé sempre foi o regente de sua vida, quando me refiro que “ a simplicidade é uma das maiores virtudes do justo” não estou me referindo a justiça humana, não. Quero me referir como sendo “justo” a pessoa temente a Deus e que tem Jesus Cristo como Salvador. Seguiu com todas as suas forças a lei de Deus, respeitou seus pais, principalmente em não abandonar o sonho deles de uma vida melhor para sua família, fazer com que Carambeí vingasse mesmo às custas dele ou de sua família, sempre pensou no coletivo, assim cumpria os dois maiores mandamentos do cristianismo: “ame Deus acima de tudo e o seu próximo como a si mesmo”. A “simplicidade” que me refiro não é o de andar malvestido, ou muito menos ser desleixado com ele ou os seus, mas sim no seu estilo de vida. Meu pai comentava que o Opa, sentado à mesa para o almoço e com um prato de arroz, feijão, purê de abóbora e um pedaço de frango, falava que nenhum rei no mundo comia melhor do que ele. Claro que de sobremesa não podia faltar uma batata cozida regada a um papinha de leitelho.

Mais um caso que o respeito ante a vontade de Deus não abalava sua fé. Certa vez, durante o almoço o casal Albert e Johanna Dijkinga recém-chegados em Carambeí, entraram correndo na sua casa, quase sem fôlego contavam que o seu novo galpão construído para receber a grande quantidade de bezerros e alimentá-los individualmente, estava pegando fogo. Qualquer um de nós levantaria da mesa sairia correndo para tentar apagar o fogo, mas essa não foi a reação do Opa, ele agradeceu o casal convidou-os a se sentarem a mesa ofereceu comida, e falou que antes de levantar-se da mesa ele ainda precisava ler um trecho da Bíblia e fazer um oração de agradecimento pelo alimento recebido. Depois disso levantou-se da mesa para ir apagar o fogo com seus filhos. Muitos devem pensar que bobeira que deu no Opa, mas não é assim que devemos enxergar esta história. A mesa era considerada um lugar sagrado, onde Deus através de suas bênçãos enchia-a de alimentos. Como podemos desrespeitar a mesa com os alimentos? Estaríamos desrespeitando a Deus. Por outro lado, se conseguiu construir um galpão, um bem material, e que no final Deus resolveu tira-lo dele, qual seria o problema? “Se for da vontade Dele eu conseguirei reconstruí-la novamente”. E foi assim que se sucedeu, depois de fazer o rescaldo Opa começa a reconstruir o galpão. O fogo se iniciou com a brincadeirinha de criança de pôr fogo nos restos de madeira da construção. Seu filho mais novo, tio Jan, recebeu uma bronca por ter brincado com fogo e teve que fazer muitas tarefas para diminuir o prejuízo.

Meu Opa Leen tinha o espírito de um empreendedor, apesar de não ter conseguido realizar seu sonho de ser um grande agricultor em terras brasileiras, produzia praticamente todos os alimentos consumidos pela família, principalmente arroz e batatas. Bem que tentou iniciar uma agricultura em larga escala, mas apesar dos resultados com boas produções não havia mercado comprador. Assim aos invés de semear e colher grãos, Opa Leen foi um dos grandes homens no passado de Carambeí, regando e adubando pessoas para que criassem raízes e se fixassem nessas terras para pelo menos realizar um dos seus sonhos – construir uma colônia “autossustentável “ que pudesse produzir alimentos para o seu crescimento e do país que os recebeu .

Era um homem de grande fé, todos os domingos, vestia seu melhor terno e se dirigia até a Igreja para assistir ao culto. Já nos últimos anos, com a saúde debilitada, ainda saía as 9:00h a pé de sua casa rumo à Igreja. Numa distância de mais ou menos 800 metros ele fazia duas paradas na casa dos filhos. A desculpa é que era uma visita, mas o tempo mostrou que, com o coração fraco, Opa não aguentava percorrer essa pequena distância e ia descansar um pouco na casa dos filhos, primeiro na do Oom Kees, uns 300m da casa dele e depois na casa dos meus pais. Chegava sempre animado se sentava e brincava com os netos. Gostava de cantar uma música para mim: Holle Bolle Gijs. Aos 70 anos, em 1960, sente fortes dores no peito, foi levado para Ponta Grossa, mas os médicos não conseguem evitar sua morte por um infarto fulminante.

Leendert & Cornelia de Geus – CASA

Parte III

Continuando a história da família do Opa Leen, devemos nos lembrar como era a casa desta família e a maneira que foi utilizada pela família e pela comunidade. Esta construção sem duvida era onde ocorria a grande integração da jovem comunidade.

Com toda certeza a casa “Huize Anno 1934” (casa construída em 1934) é um marco das construções feitas em Carambeí, foi a segunda casa de alvenaria construída e a primeira a ter um banheiro dentro da casa com chuveiro de água quente, banheira e um vaso sanitário com descarga automática, um luxo para a época. Até então todas as casas construídas tinham seu WC longe da casa, pois era muito simples, uma cova e em cima dela um cubículo de madeira com uma porta, por vezes sem telhado. Era construído longe da casa pelo mau cheiro que produzia, também imaginem a quantidade de dejetos produzidos pelas famílias grandes de até 15 pessoas.

Voltando a “Huize 1934”, durante uma visita do cônsul holandês Sr.. Hubrecht, confidenciou aos lideres carambeianos da necessidade de se ter um local adequado para receber as autoridades que viriam para os festejos dos 25 anos da imigração holandesa para Carambeí, até então só havia uma casa de alvenaria e que ficava longe do centro. O Opa Leen, Sr.s Jacob Voorsluys e Leendert Verschoor discutem o assunto, e assim recai para o Opa Leen construir a casa, pois sua propriedade se localizava na parte mais central da jovem colonia . Começam os problemas: com que dinheiro construir, pois Carambeí como também o Brasil, estavam mergulhados numa enorme crise financeira, não havia dinheiro para tal; quem faria a obra e como comprar e trazer os materiais de construção da vizinha Ponta Grossa?

Mesmo frente aos vários problemas, iniciam a construção da casa, que por muitos anos recebeu as autoridades que vinham visitar Carambeí, como também dos recém chegados imigrantes que tinham ali seu refúgio até a sua instalação definitiva, das intermináveis reuniões da Cooperativa ou do Conselho da Igreja, durante as festividades carambeianas que sempre ocorriam ao lado da grande casa onde as pessoas em geral desfrutavam do banheiro, bem como dos grandes quartos que se recheavam de recém nascidos para sua sonequinha. Tudo isso de forma espontânea e gratuita, Opa Leen e esposa nunca cobraram nada pelo uso quase abusivo de sua casa. Além de tudo isso, a limpeza da grande bagunça que ficava para traz depois dos eventos, era das filhas do casal, por vezes de cara amarrada. Mas o Opa e a Oma contornavam as caras feias dando mais trabalho para as meninas. Lembrando ainda que nas reuniões sempre serviam um gordo café com bolo e bolachas feitos pela Oma e suas meninas. Tante Nicia lembra que durante as reuniões havia tanta fumaça de cigarro na sala que quase dava para “cortá-la” com um facão.

Mais como funcionava a “Huize 1934” na rotina da família? Escutei muitas histórias do pai e das tias a respeito do funcionamento desta casa. Uma delas foi durante o período das “vacas magras” e põe magras nisso, a Oma só tinha uma panela em condições de uso, então ela começava as 9:00 hs da manhã para fazer o almoço tudo num fogão a lenha, e tinha uma certa seqüência para cozinhar os alimentos. Começava pelo mingau de leitelho que depois de pronto, era transferido para uma travessa. Limpava a grande panela e cozinhava as verduras, depois as batatas e por ultimo a carne. Em dias de feijão era complicado, pois não daria para seguir esta seqüência, daí o feijão era preparado no dia anterior. Nas sextas feiras era dia de macarronada uma festa para os pequenos que gostavam muito deste prato, tanto é que até hoje lembram que sexta era dia de macarrão. Sábados era dia para a piazada correr e pegar duas galinhas gordas e que não estariam mais em postura. Uma caçada por vezes demorada, o Opa responsável pela degola e os piás pela “depenação” e limpeza das galinhas. As galinhas eram então cozidas por inteiro dentro da enorme panela. Deste caldo era feita a sopa, almoço típico dos domingos, depois da retirada das carcaças, o frango era cortado em pedaços, e retornavam para o caldo a cabeça, os pés, os miúdos, o pescoço e por ventura os ovos imaturos que estavam ainda dentro da galinha. As partes nobres eram reservadas e só seriam consumidas nas segundas e terças feiras. Adicionavam ao caldo, além dos miúdos, verduras e legumes e o almoço de domingo estava garantido.

Por volta de 1936 com a chegada da família Borger recém imigrados da Indonésia, surge um novo prato na culinária carambeiana – o Nasi Goreng. Dick Borger jovem imigrante foi acolhido na casa dos De Geus, e viu uma oportunidade de colaborar com a Oma Cor na cozinha. E assim repassou a receita do Nasi Goreng, que nada mais era do que separar a carne da galinha dos ossos, cortá-la finamente e reservar. Numa panela grande fritar cebola e alho em banha de porco, adicionar a carne picada, deixando fritar ate dourar a cebola, adicionar arroz ( de preferência amanhecido) e fritar tudo. Se a carne era escassa , fazia-se uma omelete, que depois de cortada em tiras era colocado por cima do prato já pronto. Os carambeianos aprovaram o novo prato e que caiu muito no gosto das mamães.

Um costume e demonstrando grande fé em Deus, todas as refeições iniciavam com uma oração pedindo a benção sobre os alimentos, depois das refeições lia-se um texto bíblico e terminava-se com uma oração agradecendo o alimento recebido, uma rotina praticada por muitos até os dias de hoje. Nossos patriarcas sempre diziam que tinham muito mais a agradecer do que para pedir. Assim desde pequenos todas as crianças assimilavam a fé em Cristo.

Vamos voltar um pouco para os dias das festas da comunidade, a casa estava localizada ao lado do chamado “Clube” e do campinho de futebol,num terreno doado pelo Opa para a comunidade. Banheiros – não havia, carros – muitos poucos, então para os pequenos com as fraldas cheias sobrava o “chique “ banheiro dos De Geus. Como toda a casa o banheiro era grande e todas as famílias praticamente tinham um vinculo familiar, com exceção dos recém chegados, aí o uso pelas mamães para trocar e higienizar seus pequenos o banheiro da “Huize 1934” era o paraíso. Porém no fim da festa e com o banheiro emporcalhado pelas mamães, bêbes e crianças; sobrava paras as filhas do casal limpar toda aquela bagunça.

Juntos o Opa e a Oma tiveram 15 filhos, dos quais dois morreram, o filho mais velho (Jan) morreu por complicações de uma cirurgia aos 18 anos , um baque para a família, alem dele perderam uma filha pequena (Roos). Os 13 filhos deram ao casal mais de 100 netos. O casal tinha uma alegria fora do normal pela grande família. O Opa visitava todos os filhos e se dedicava ao netos com brincadeiras e cantando musicas para eles, a Oma costurava, bordava e fazia crochê para dar de presente ao netinhos. Lembro que nos domingos era quase uma obrigação dos filhos casados irem tomar um café e comer um bolo depois do culto no Huize1934. Para a criançada era uma festa ir na casa dos Opas, não podíamos ficar dentro da casa, quando muito podíamos tomar um café e comer um pequeno pedaço do bolo, ai já éramos mandados para fora para brincar. Nem toda vez ganhávamos café e bolo, às vezes a Oma saía para fora com uma lata cheia de balas e podíamos escolher “UMA”. Mas antes de ganharmos a bala a Oma fazia questão que cada neto comesse 3 folhas de azedinha ( um vegetal rico em vitaminas e minerais). Eu esperto pensei “ Vou comer 6 folhas, e aí eu ganho duas balas!”, a Oma com sua sabedoria quase “Salomonica” me disse então “ Por você ter comido 6 folhas isso não te da direito a duas balas, mas você pode escolher por primeiro”. Como o bando de netinhos era grande fiquei muito feliz pelo privilegio de poder escolher por primeiro.

A casa “Huize 1934” era realmente o ponto de integração como vemos acima, mas o Opa foi além, na sua varanda que fica na área frontal da casa, ele mandou pintar três paisagens, e foi o pintor Germano Koch, nestes três quadros pediu para que fossem retratados três paisagens: no centro os Campos Gerais com o característico pinheiro do Paraná, na direita uma paisagem holandesa com canais e os moinhos de vento e à esquerda uma paisagem alemã. Assim a grande casa da integração demonstrava em suas paredes externas, a sua aptidão em servir para integrar os povos fundadores da nossa Carambeí. Recentemente a artista plástica da família a Tante Tony de Geus Sijpkes, restaurou as pinturas que estão lá simbolizando a integração dos povos. Sobre o arquitetônico da casa – uma cozinha enorme com um fogão a lenha, uma mesa onde cabiam mais de 12 pessoas sentadas, uma sala igualmente grande ( uma mania dos De Geus), o grande quarto para o casal e para os recém nascidos que foram muitos – um quarto de visita, o grande banheiro, e no sótão havia um pequeno hall e 3 quartos. A casa esta muito bem cuidada até os dias atuais pela esposa do filho mais novo do casal De Geus.