João Maurício de Nassau e a Escravidão (2)

Uma das provas mais contundentes de que João Maurício esteve envolvido no tráfico de escravos está nos arquivos da cidade de Amsterdã, capital da Holanda, onde se encontra o registro de um depoimento do comandante do navio ‘De Princesse’ (A Princesa). O capitão Reyer Adraensz Schagen, a pedido do seu patrão – a Companhia das Índias Ocidentais –, compareceu no dia 8 de agosto de 1643, no escritório da tabelião Henrich Schaeff. O motivo do comparecimento do capitão em cartório pode ter sido o seguinte: a Companhia praticava o tráfico de escravos, mas não permitia o tráfico por particulares, como seria o caso de João Maurício. A Companhia também fora o patrão de João Maurício, que em maio do mesmo ano tinha pedido demissão do seu cargo retornando à Holanda em 1644. O capitão Schagen declarou que “em setembro de 1642 se encontrava em Angola, na cidade de São Paulo de Luanda. Que nesta cidade recebeu a ordem de, por conta de Sua Excelência conde João Maurício, governador no Brasil, transportar no seu navio um número considerável de negros que foram comprados ou trocados por Sua Excelência. Foram embarcados 55 africanos escravizados e, chegando ao Brasil, eles foram retirados do navio e levados de barco ao palácio do governador.” Não se sabe se João Maurício negociou (vendeu) os escravos, ou se foram usados para trabalhar para o governador.

Ata do depoimento do capitão Reyer Adriaensz Schagen (Arquivo Municipal de Amsterdã)

O palácio Friburgo (Vrijburg) de João Maurício em Recife. Gravura de Frans Post (1643)

Uma ata da Companhia das Índias Ocidentais, registrada no dia 19 de março de 1642 (portanto, meio ano antes do anteriormente referido embarque dos negros), revela que João Maurício pediu licença à Diretoria da Companhia, aos assim chamados Senhores XIX, para poder participar do tráfego de escravos. Ele formulou o pedido assim: “por sua própria conta e risco, comprar no reino de Angola 400 a 500 negros e transportá-los para o Brasil.” Novamente, não se sabe se Maurício recebeu esta licença, mas a ata do arquivo notarial mostra que ele, em 1642, participou ativamente do tráfego de escravos.

O frei português Manoel Calado, que durante algum tempo teve bom relacionamento com João Maurício, escreveu sobre o envolvimento de Nassau com o contrabando de pessoas escravizadas. Segundo ele, por iniciativa do comerciante Gaspar Dias Ferreira, em 1643, foi feito um plano para contrabandear pessoas e vendê-las no Brasil. Com uma tripulação mista de holandeses e portugueses, o capitão Antônio Machado partiu para Cabo Verde, em uma embarcação com bandeira falsa para negociar seres humanos. Uma parte dos africanos escravizados foi vendida a proprietários de engenhos de açúcar no sul de Pernambuco; outros foram vendidos em Recife. As palavras contrabandear e bandeira falsa indicam que não houve autorização oficial da Companhia das Índias Ocidentais e um eventual envolvimento de João Maurício de Nassau.

Em 2021, no Rijksmuseum de Amsterdã, foi realizado uma exposição chamada “Escravidão.” Uma carta do Arquivo Real chamou a atenção e faz parte de um conjunto de manuscritos de João Maurício. O autor da carta era Pieter Mortamer, diretor da Companhia das Índias Ocidentais em Luanda, e o destinatário era João Maurício. Em 1641, João Maurício havia ordenado a ocupação de Luanda, em Angola. Pieter Mortamer foi nomeado administrador da colônia. Ele também era responsável pelas boas relações com os reis africanos, para garantir o comércio de escravos. Nesta carta, Mortamer dá conselhos a João Maurício sobre o tipo de presentes que João Maurício deveria dar ao rei do Congo, com o intuito de fortalecer as relações comerciais. João Maurício precisava de escravos para as plantações de cana e engenhos de açúcar no Brasil. No ‘presente’ proposto se encontrava um jovem negro (‘swarte jongen’) que sabia tocar corneta (!). A carta dá mais atenção às vestes esplêndidas (‘com bordados em prata’) do que ao próprio jovem. Mortamer ainda descreve em detalhes que tipo de ostentação seria necessário para agradar o rei do Congo.

Este artigo foi escrito por Johan Scheffer e publicada pela ACBH na revista De Regenboog nº 302 maio 2024.

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