Um jovem sábio – Keimpe van der Meer

Em 1936 chega em Carambeí um jovem professor de formação cristã, holandês da cidade de Franeker província da Frisia – Holanda. Veio para substituir o professor Jacob Voorsluys que acumulava o cargo de professor, pecuarista e membro da diretoria da então Cooperativa Batavo. Houve uma grande melhora no ensino pois o recém chegado professor tinha o dom de ensinar os pequenos filhos dos pioneiros.

Cabeças brilhantes não passavam despercebidas pelos pioneiros, e assim em 22/09/1941 o jovem Keimpe assume a contabilidade da Cooperativa, onde mostra grande aptidão para com os números.

Em 1940 a Holanda perde a guerra para a Alemanha e o exercito holandês, com base na Inglaterra, recruta os jovens espalhados pelo mundo para servirem ao país. Assim Carambeí se vê envolvida na guerra e alguns jovens se apresentam e viajam para Holanda. Keimpe também é chamado, mas os pioneiros não concordam que ele viaje devido ao bom trabalho por ele exercido no ensino e na contabilidade. Devido à tentativa dos pioneiros de evitar o alistamento do jovem Keimpe, tem inicio um grande embaraço entre os imigrantes e a polícia da cidade de Castro, da qual Carambeí era distrito. Depois de uma denúncia a polícia castrense chega à Carambeí e prende os 5 pioneiros, Cornelis Verschoor, Jan Los, Leendert Los, Jacob Voorsluys e Leendert de Geus que pergunta ao delegado qual o motivo da prisão deles, e este responde: “vocês estão sendo acusados de formarem a 5ª Coluna” (na guerra os traidores e desertores eram denominados de 5ª Coluna).O Sr. Leendert então pergunta ao delegado se ele tem direito a um telefonema. O delegado, a contragosto, pede para ele o número do advogado e o Sr. Leendert responde que o telefonema é para o então governador Manoel Ribas. Um sorriso amarelo desponta no rosto do delegado que pede à telefonista para realizar a ligação. Sr. Leendert explica para o governador o que está acontecendo. Mal termina a explicação e o Sr. Manoel Ribas faz com que o Sr. Leendert passe o telefone para o delegado e todos na sala escutam os berros do governador dizendo: “Esses holandeses são meus, e se você não soltá-los agora eu vou até aí para fazer isso. Entendeu?” Sem perguntas o delegado libera os pioneiros.

Apesar das tentativas de evitar que o jovem professor e contador vá para a guerra, em 1943 ele embarca para defender a Pátria Mãe. Para a felicidade dos pioneiros, com o final da guerra, Keimpe retorna ao Brasil em 01/11/1945 e reassume suas atividades. Em 1946, em reconhecimento aos seus serviços, é eleito diretor-secretário da Cooperativa Batavo. Em 1947 começa suas atividades no estado do Paraná, designado pela Batavo a ajudar na fundação da Cooperativa Central Agrícola do Paraná, fundada para centralizar a venda da produção das cooperativas paranaenses, exceto os produtos lácteos. Nesta fase de sua vida Keimpe tem a oportunidade de divulgar o espírito cooperativista no Paraná, o que fez com grande sabedoria.

Novo desafio em 1949 com a chegada de mais imigrantes, que logo se associam à cooperativa e colocam em dúvida a administração que está sendo realizada. Os diretores mais antigos resolvem, a pedido dos recém-chegados, contratar um consultor holandês. Cheio de pompa o consultor dá o veredicto da administração: “Essa contabilidade de vocês está totalmente errada, é uma bagunça cheio de falhas e deste jeito ninguém sabe qual a real situação financeira, deixando brechas para dúvidas”. Em seguida a este anúncio os pioneiros decidem se reunir na casa do Sr. Leendert de Geus, que se transforma numa espécie de Câmara dos Lordes Inglesa. Na sala de estar da casa do Sr. Leen nunca coube tanta gente, fileiras duplas de cadeiras foram dispostas e todos os participantes eram fumantes (algo chique naquela época). Minhas tias, responsáveis por servir o café e o bolo, contam que dava para cortar com uma faca a fumaça suspensa na sala. O consultor então é convidado para falar à plateia a conclusão da consultoria. Os recém-chegados estufaram os seus peitos e ficaram felizes em saber que eles estavam certos e que a contabilidade da jovem cooperativa era uma bagunça. Os mais antigos se entreolhavam sem saber o que fazer, quando o jovem Keimpe pede a palavra e dá uma lição de cooperativismo explicando com detalhes a todas as observações feitas pelo consultor. Aplausos surgem pelo brilhantismo das explicações. O consultor envergonhado se rende ao jovem. Sr. Leendert de Geus, em conversa com os mais antigos após reunião, declara – “ O Keimpe é um sábio, pena que fala pouco”.

Em 1950 mais holandeses querem imigrar para o Brasil e para receber essas famílias, os carambeianos escolhem uma grande fazenda em Castro que seria comprada para este fim. Segundo os castrenses os holandeses compraram a pior fazenda pelo melhor preço. Será? Sr. Keimpe é designado pela diretoria da Batavo para adequar os estatutos da nova cooperativa em formação. Neste ano chega à Carambeí um novo professor, o Sr. Van Westering. Agora Keimpe pode se dedicar exclusivamente à cooperativa e com a fundação da Cooperativa Central de Laticínios do Paraná Ltda. (CCLPL) onde ele ocupa cargo de diretor. Trabalhou para as cooperativas até 1965 quando pede desligamento por motivos de saúde.

Keimpe se casou com Leentje Harms e tiveram juntos sete filhos. O grande legado deste jovem sábio não se ateve somente a Carambeí, além de propagar/ensinar o cooperativismo no estado do Paraná, foi de suma importância no Brasil, divulgando o que é e como funcionam as cooperativas.

Em comemoração ao cinquentenário escreveu um livro sobre a história dos pioneiros carambeianos. Foi a pessoa escolhida para acompanhar a visita do ilustríssimo príncipe holandês, Prins Bernhard, e contar-lhe a saga da imigração. Duas frases escritas pelo Keimpe em seu livreto merecem um destaque especial:

 

 

“Carambeí espera cooperar no máximo de suas forças, para trazer progresso para a sua região, para o estado do Paraná e para a nova Pátria – o Brasil”.

 

“O Brasil recebe de braços abertos, todos que procuram refúgio no seu seio o ódio entre as raças, que pode destruir a vida de muitos, no Brasil não se conhece”.

 

Pessoas com inteligência superior à media normalmente são distraídas e Sr. Keimpe não era exceção. Em 1970 ele ainda divulgava o cooperativismo bem como resolvia questões legais da cooperativa junto aos órgãos estaduais e federais. Eu era estudante em Ponta Grossa e colega do Auke, filho do Sr. Keimpe, e como a época ainda era de vacas magras, o ir e vir era mais barato se fosse de carona. Então depois da aula íamos até o ponto de carona e aguardávamos até que alguém conhecido parasse e nos levasse para Carambeí. Como o pai do Auke viajava muito, por diversas vezes pegamos carona com ele, até o dia que numa cancela de trem o Sr. Keimpe não parou, não olhou e não escutou e eu vi o farol do trem do meu lado e um baita buzinaço. O Auke então pergunta ao seu pai: “Heb je de trein niet gezien ?” (o senhor não viu o trem?). No que o Sr. Keimpe responde: “Trein?” (Trem?). Grande susto e dali em diante, quando o Maverick branco apontava nas ruas de Ponta Grossa eu me escondia atrás de um poste para não ser visto.

Ainda falando do carro – o Maverick branco, pergunto: Quantos lados podem ser amassados por colisão? Seriam: a frente, a traseira, o lado direito e o lado esquerdo. Quatro então. Engano! o Maverick do Sr. Keimpe, além de amassado nestes quatro lados, tinha amassados no teto por um acidente, que por pouco não tira a vida do motorista Keimpe ou do carona. Uma escada de uma camioneta da Copel se soltou e entrou pelo para-brisas ficando entre o motorista e o carona e assim amassando o teto do carro; e no assoalho, pois havia passado por cima de uma enorme pedra.

Carambeí, Castrolanda, Arapoti, Paraná e Brasil devem muito a este jovem holandês que veio tentar a sorte em terras brasileiras e desempenhou brilhante papel na complicada contabilidade de uma Cooperativa.